domingo, 6 de outubro de 2019

Anitta no Rock In Rio: por que a maior estrela pop brasileira demorou tanto a se apresentar no festival?

É natural do brasileiro exaltar a cafona alta sociedade de novelas do horário nobre e não valorizar as artes marginalizadas. Após ser descartada anos atrás pelo maior festival brasileiro de música, o Rock In Rio, Anitta se apresenta no palco principal na edição deste ano no dia 5 de outubro.

A mudança do que é aceitável no festival mostra como nosso povo olha para fora para entender a admiração da própria origem. Antes de artistas internacionais apoiarem a carreira de Anitta e o funk brasileiro (J Balvin, Maluma, Pharrell Williams e, mais recentemente, Madonna), o gênero era visto como "coisa de marginal" e nunca tocava nas principais estações de rádio do país. Bastou começar a tocar fora daqui que os charts de streaming no Brasil foram invadidos por artistas do funk.
       
A ascensão de Anitta está clara há anos e, nesta semana, alcançou novo patamar. Uma indicação ao Grammy Latino com o disco visual trilíngue Kisses (lançado em abril deste ano) na categoria Melhor Álbum de Música Urban põe a carioca em um nível que deixa clara a contribuição dela ao mundo da música. Ainda assim, houve quem questionou a presença da artista na premiação como representante do Brasil. O disco aborda assuntos como maconha, festas alucinantes e intoxicadas e, é claro, romance.
A pergunta é mais um reflexo dos preconceitos que nossa sociedade brasileira preza como mascotes. Uma mulher da favela, bissexual (é assim que Anitta se classifica, mesmo com o olhar desconfiado da comunidade LGBTI+), independente e não branca falando sobre maconha e festa? Inaceitável. Coisa de pobre e bandido. Fosse um homem cantando sobre os mesmos temas, ele seria visto como um rockstar — e existe uma extensa lista para comprovar isso.


Anitta não é objetificada. Em Kisses, ela domina a própria sexualidade, passeando por gêneros que vão da MPB tradicional, passando pelo hiphop e culminando no reggaeton.
O álbum tem Anitta cantando em três idiomas: para falar com o público que a levou ao patamar nacional, ao que quer conquistar na comunidade latina e ao grande público mundial. A partir daí, a ambição do álbum mostra ser a de comunicar — não necessariamente assuntos como a crise ambiental, mas conversar com o mundo de uma forma abrangente e honesta. Ela é jovem, então falemos sobre coisas que jovens fazem. Ela adora se apaixonar e existem canções lindas no disco que abordam isso, incluindo a singela "Você Mentiu", com ninguém menos do que Caetano Veloso.


Não dá pra esquecer também todas as portas abertas por ela para artistas. A grande Ludmilla não teria o mesmo apelo ou espaço não fosse o trajeto previamente pavimentado por Anitta — que faz questão de dar notoriedade a brasileiros em territórios nacional e internacional. Não é uma questão de creditar o sucesso dos outros à ela, mas respeitar que algumas paredes precisam ser quebradas para que outros consolidem uma estrada.
A carreira de Anitta também é cheia de "tropeços". A demora para declarar o posicionamento político nas últimas eleições presidenciais, por exemplo, levou minorias a questionarem o lugar de fala de Anitta: defende a comunidade LGBTI+, mas não é abertamente contra Bolsonaro? Certamente é a favor, então. Ainda assim, ao declarar meses depois que não votaria no candidato da extrema direita, ela lançou o desafio para outras cantoras, como Claudia Leitte e Ivete Sangalo. Ambas permaneceram em silêncio, mas foi Anitta quem levou a fama de fascista.
Não dá pra esquecermos também os momentos de discurso machista de Anitta anos atrás — principalmente aquele episódio no programa Altas Horas, em que a cantora Pitty dá uma lição sobre feminismo à carioca. Mas Anitta continua sendo julgada pelo que falou anos atrás. Atire a primeira pedra quem tem certeza absoluta de que nunca disse algo de que se arrependa atualmente.
É claro que existe o peso da influência que ela exerce sobre milhões de jovens mentes, mas sinto que esquecemos também a humanidade dos artistas e as falhas que esta condição implica.
Assim como Madonna, que chutou a porta da indústria fonográfica machista, Anitta veio para quebrar o teto de vidro de quem ama apontar o dedo pro que é nacional e relevar falhas de quem é de fora. No dia 5 de outubro, olhemos para o Palco Mundo do Rock In Rio para enxergarmos uma jovem artista que está aprendendo o seu lugar no mundo e que, com talento e muito trabalho, mostra que o Sonho Brasileiro é muito mais encantador do que uma desilusão norte-americana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário