quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

ANTI: o álbum atemporal de Rihanna

Sou do tipo de audiófilo que gosta de apreciar um álbum em sua completude lírica e musical. Singles, pra mim, funcionam puramente como uma forma comercial de ouvir música e, na indústria fonográfica atual em que são suficientes para embalar uma playlist na academia, impedem de entender a unidade de um álbum (você não imagina, por exemplo, um livro tendo capítulos lançados separadamente).

Quando ouvi o primeiro single do disco ANTI ("Work"), pensei que ela não poderia ter me decepcionado mais. Horas depois – após um “acidental” vazamento na plataforma de streaming Tidal, ouvi as 13 faixas. Sou capaz de dizer que Rihanna alcançou a meta estabelecida um ano antes do lançamento, quando disse que o disco demoraria para sair porque planejava criar músicas atemporais.
Esqueça a maioria de referências de Rihanna acumuladas nos últimos sete discos da cantora (e dos singles “FourFiveSeconds”, “American Oxygen” e “Bitch Better Have My Money” porque elas não fazem parte do álbum). ANTI chega com o objetivo de mostrar facetas mais afastadas do mainstream – além de ser o registro com maior participação da artista como compositora das faixas. Só pra ter uma ideia da abrangência do novo estilo, uma das baladas mais fortes do disco, “Same Ol’ Mistakes” trata-se de um cover da banda Tame Impala (registro no qual há pouca mudança – sequer alguma, na verdade – nos instrumentais, mas com características únicas dos vocais da cantora). O disco é dividido em duas partes. A primeira mostra a Rihanna que já conhecemos: ousada, fazendo apologia a drogas como abertura da mente e dos sentimentos para análises mais profundas e batidas que remetem ao “twerking”. O segundo momento do álbum vem com baladas e mid-tempos, com nuances mais românticas e menos agressivas da personalidade da cantora.
“Eu consegui fazer as coisas do meu jeito”
Essa é a principal mensagem da faixa que abre o disco, “Consideration”. A música é a declaração de liberdade da cantora das algemas de músicas mais superficiais e radiofônicas produzidas nos álbuns anteriores. Em meio a batidas pesadas ritmadas e versos da cantora SZA, Rihanna explica a demora do álbum (este é o primeiro lançamento com mais de um ano de produção da carreira de Rihanna) com o argumento de que “agora é pra valer”.A segunda faixa, o interlude “James Joint”, é a mais fraca na minha opinião. Maconha e Rihanna. Já sabemos, já sabemos. Ainda assim, ela funciona bem como transição para “Kiss It Better”- uma das mais fortes do álbum. Embora a música esteja mais próxima do que as rádios e charts da Billboard pedem como sucesso, ela ainda é diferente do que você espera que uma música de Rihanna seja no rádio.  A faixa, assim como “Desperados” (que poderia facilmente estar em um filme do Tarantino), tem como tema central relacionamentos com pessoas problemáticas e conta com produções impecáveis.
Drogas aparecem diversas vezes como entorpecentes e, em outros momentos, como as pessoas envolvidas em um relacionamento. Enquanto em “Needed Me” (uma mid-tempo em que Rihanna mostra confiança máxima) ela assume o papel da droga que saciava o outro, “Woo” mostra a relação inversa. Muito obrigado por não ser literal, Rihanna.
Sexualidade não teria como ficar de fora de um álbum feito por Rihanna. “Yeah, I Said It” traz a mulher como o sujeito dominante durante o sexo – uma mulher que precisa de sexo, sabe o que quer, o que precisa, de quem precisa e que assume isso com muita franqueza e sem meias conversas.
O fator de transição entre esses dois momentos do disco trata-se do cover da banda Tame Impala, “Same Ol’ Mistakes” (antiga “New Person, Same Old Mistakes” no álbum original, que foi adaptada para mostrar o quão “hood” Rihanna é). A produção da banda já é conhecida por quem visita o cenário alternativo há algum tempo. O destaque fica para a identidade vocal da cantora e para como a música funciona bem para marcar esse novo momento da carreira.
“Fantasma no espelho”
A segunda parte do disco fica encarregada de exaltar o sentimentalismo de Rihanna. Entre as cinco últimas faixas, o interlude “Higher” definitivamente é a melhor. Com apenas dois refrões, a cantora alcança notas altíssimas e desenvolve a capacidade vocal como nunca antes em estúdio.
Uma das melhores baladas, “Love On The Brain” lembra Amy Winehouse em “Wake Up Alone” e Duffy em “Scared”, com arranjos que te levam à década de 50/início de 60. Simplesmente deliciosa. O saudosismo aparece também em “Never Ending”, com a cantora Dido como uma das compositoras da faixa (a melodia dos refrões são as mesmas utilizadas em “Thank You”, de 2000).
ANTI é um álbum redondo. Começa com Rihanna avisando sobre o que virá a seguir, e é encerrado com “Close To You”, uma música sobre a dificuldade de se desconectar de alguém. Com romance beirando o trágico, Rihanna declara: essa sou eu e esse era o álbum que eu queria fazer.

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